Vou dar de beber à dor

Dr. Alberto Janes

Foi no Domingo passado que passei
Á casa onde vivia a Mariquinhas
Mas está tudo tão mudado
Que não vi em nenhum lado
As tais janelas que tinham tabuinhas

Do rés-do-chão ao telhado
Não vi nada, nada, nada
Que pudesse recordar-me a Mariquinhas
E há um vidro pregado e azulado
Onde havia as tabuinhas

Entrei e onde era a sala agora está
Á secretária um sujeito que é lingrinhas
Mas não vi colchas com barras
Nem violas nem guitarras
Nem espreitadelas furtivas das vizinhas

O tempo cravou a garra
Na alma daquela casa
Onde as vezes petiscávamos sardinhas
Quando em noites de guitarra e de farra
Estava alegre a Mariquinhas

As janelas tão garridas que ficavam
Com cortinados de chita às pintinhas
Perderam de todo a graça
Porque é hoje uma vidraça
Com cercadura de lata às voltinhas

E lá p'ra dentro quem passa
Hoje é p'ra ir aos penhores
Entregar ao usurário umas coisinhas
Pois chega a esta desgraça toda a graça
A casa da Mariquinhas

P'ra terem feito da casa o que fizeram
Melhor fora que a mandassem p'rás alminhas
Pois ser casa de penhores
O que foi viveiro de amores
É ideia que não cabe cá nas minhas

Recordações do calor
E das saudades o gosto
Que eu vou procurar esquecer
Numas ginjinhas
Pois dar de beber à dor é o melhor
Já dizia a Mariquinhas